Leonardo Tonini - Emerge Ventures

Publicado em: 28/06/21 às 15h

Por que é tão difícil inovar em grandes empresas?

Um relato honesto sobre a experiência de criar uma área de novos negócios em uma gigante de consumo.

Com os investimentos em venture capital atingindo recordes históricos (em 2021 foram U$9,4 bilhões somente no Brasil segundo a Distrito) nunca se falou tanto sobre inovação. E uma pergunta que sempre me intrigou é: por que os novos produtos representam tão pouco no faturamento das grandes empresas, considerando suas enormes vantagens como escala e acesso a canais de distribuição?


Esse é um tema complexo, por isso nesse primeiro artigo decidi trazer uma perspectiva individual e prática com as dores reais de quem criou uma área de novos negócios em uma grande corporação.


Longe de ser o dono da verdade, meu objetivo aqui é compartilhar aprendizados que gostaria de ter conhecido antes de me aventurar nesse projeto e ajudar a quem tem desafios semelhantes. Com os erros e acertos, sem textão de entrevista corporativa só contando os sucessos.


Mas antes, um pouco de contexto: ano passado decidi mudar a direção da minha carreira e deixar o mundo executivo em multinacionais de bens de consumo para aprender sobre startups e gestão moderna. Nesses últimos meses tenho focado em ajudar startups com seus desafios de crescimento e acabei relembrando da experiência de entrar em dois novos mercados (chocolates para presente e ingredientes para foodservice) usando metodologias ágeis pela primeira vez em uma grande organização.


Esse olhar externo serviu de inspiração pra esse texto, com algumas lições que podem ser valiosas pra mais gente. Bom, chega de aquecimento e vamos aos aprendizados:


Recrute pelo mindset e estabeleça papéis claros

Mude seu modelo mental: o desafio da liderança

Saia do escritório e fale com seus consumidores

Fail fast: foque na velocidade do aprendizado

“Buscamos em todas as áreas pessoas que demonstravam sinais de mindset de crescimento: desejo de aprender, paixão por desafios, que viam os obstáculos como parte do processo de aprendizagem e tinham perseverança em superá-los como um time.”

O primeiro desafio foi a escolha do time. Debatemos muito se precisávamos ir ao mercado buscar quem já tinha operado com metodologia ágil ou se íamos apostar em talentos internos e acabamos decidindo pela segunda opção. Essa escolha foi feita com a intenção de inspirar outras áreas da organização e diminuir potencial resistência a “síndrome do não inventado aqui” que pode matar novas ideias muito rapidamente.

Recrute pelo mindset e estabeleça papéis claros

O segundo desafio tem a ver com a clareza de papéis, e aqui ressalto duas funções críticas: o product owner (líder do projeto) e o agile coach (um especialista facilitador da metodologia ágil). O perfil do product owner era crítico, porque em última instância ele era o responsável pela qualidade final do projeto e pela priorização de atividades no dia-a-dia. Inspiração e transpiração em iguais medidas. Tivemos muita sorte de ter dois líderes talentosos que toparam o desafio de desbravar esse novo mundo operando como POs pela primeira vez.


Sobre o segundo papel, alocamos um agile coach dedicado aos projetos e foi uma decisão acertada, porque esse foco em ensinar a metodologia na prática e acompanhar o time em todo o processo acelerou demais a curva de aprendizagem.


Mas nem tudo são flores... Nem todos se adaptaram e já dava pra ver bem cedo quem estava curtindo a experiência e quem não estava tão animado... Em retrospecto, teria feito ajustes mais cedo porque os gargalos aparecem de maneira rápida com essa maneira de operar e isso pode afetar a moral do time.


No final o balanço de pessoas foi positivo: um time extremamente engajado, operando com autonomia (mais sobre isso no próximo tópico), foco no consumidor e velocidade de decisão. E reforço um aprendizado chave: invista num agile coach se estiver iniciando na metodologia, o retorno é garantido com as entregas dos projetos acontecendo em ciclos cada vez mais curtos.

“As organizações tradicionais estão acostumadas ao modelo de comando e controle, onde os líderes mais seniores têm (ou acham que têm) o conhecimento e tomam decisões de maneira centralizada, enquanto o restante da organização basicamente segue instruções.”

Mude seu modelo mental: o desafio da liderança

Que a mudança é difícil todo mundo sabe, mas imagina eu pedir pra você mudar a maneira que você está acostumado a fazer as coisas por mais de uma década? Imaginou? Pois é, foi assim que eu me senti no começo do projeto, tendo que abraçar um modelo novo sem ter certeza se ia funcionar.

Num mundo em constante mudança esse modelo está obsoleto, pois sufoca a iniciativa e empreendedorismo dos colaboradores que estão muito mais próximos aos consumidores e as suas constantes mudanças de comportamento.


Pra solucionar esse dilema investimos um bom tempo debatendo entre o time de liderança qual era nosso papel. Decidimos que era nossa responsabilidade inicial definir quais mercados iriamos explorar e quais os critérios de aprovação dos projetos antes de escalar. Já durante os projetos nosso foco era remover obstáculos que o time não poderia resolver sozinho e fazer perguntas estratégicas que ajudassem o time a seguir avançando.


Conceitos e produtos a serem desenvolvidos, prioridades de execução a cada sprint, e escopo de exploração (somente produtos ou também soluções de serviços?) eram responsabilidades exclusivas dos times de projeto.

“Depois da insegurança inicial o progresso veio mais rápido do que eu esperava. A cada 2 semanas o time trazia progressos com os aprendizados validados com o consumidor. Tarefas que antes levavam semanas eram resolvidas em questão de dias. Ideias que não funcionavam eram rapidamente descartadas ou ajustadas como novas hipóteses.”

Os sinais eram claros de que o modelo funcionava: novas ideias sendo desenvolvidas de maneira mais rápida e menor custo, e o time acelerando com autonomia e engajamento.


Mas é claro que não acertamos em tudo de primeira... Dois aprendizados importantes:


  • Estabeleça um budget e libere novos investimentos a cada avanço de etapa. Esse erro está na minha conta: os investimentos necessários eram discutidos na sprint e algumas vezes isso afetou o tempo de entrega das tarefas, já que o time tinha de esperar a liberação dos recurso.


  • Pense grande, pelo menos um potencial de 10% do negócio a médio prazo. Decidimos entrar em mercados enormes e tivemos sucesso, porém acredito que poderíamos ter escalado mais rapidamente se tivéssemos sido ainda mais ambiciosos nos investimentos de aceleração em canais e comunicação. Naturalmente existe um desafio cultural aqui, pois furar o budget é imperdoável no modelo tradicional focado em eficiência e uma meta ousada demais é risco de suicídio corporativo.


Acredito que com a aceleração do sucesso das startups pouco a pouco a economia tradicional vai começar a rever esse conceito, mas é um dos grandes dilemas dos incumbentes: lidar com a pressão de resultados trimestrais na operação ao mesmo tempo que desenvolvem novas ideias.

“Pra quem se acostumou ao modelo tradicional de desenvolvimento waterfall (de atividades sequenciais) essa mudança foi transformacional. Esse aprendizado é tão importante que vou reforçar: foque em validar aprendizados com seus consumidores da maneira mais rápida e barata possível, através de hipóteses e experimentos.”

Saia do escritório e fale com seus consumidores

Depois de definir quais mercados nos interessavam e qual o time que ia desenvolver o projeto, era hora de começar o desenvolvimento dos conceitos e produtos.


Acho que todos já ouviram o jargão “somos focados nos consumidores”, porém muitas vezes na prática isso significa encomendar pesquisas com institutos parceiros. Nada contra pesquisas tradicionais que tem seu papel de validação em etapas posteriores, porém esse é um ciclo muito longo e que dificilmente revela insights de uso e dores reais. Numa fase inicial de descoberta elas não permitem ajuste rápido de protótipos e podem ser uma das causas para o processo de desenvolvimento ser mais lento do que numa startup.


Uma das coisas mais legais que nosso time fez foi a prática de customer development, criada pelo empreendedor e autor Steve Blank, que em sua essência é sobre sair do ar-condicionado do escritório e falar direto com seus potenciais consumidores. De maneira simplificada esse processo envolve a criação de hipóteses e experimentos que validem essas hipóteses da maneira mais rápida e barata possível. O foco é em gerar aprendizados validados.


No nosso caso isso envolveu acompanhar empreendedoras durante o processo de produção e criação de doces, criar um quiosque vendendo produtos de outros países, e a rápida descoberta que alguns produtos que achávamos que tinham muito potencial eram vistos simplesmente como mais uma opção cara num mercado saturado. Tudo isso em questão de dias e baixíssimo investimento.

“O foco não é no erro, é na velocidade do aprendizado. Como uma metodologia científica o erro simplesmente é uma validação de que uma hipótese não funcionou, gerando aprendizados para descarte ou revisão de hipóteses.“

Fail fast: foque na velocidade do aprendizado

Vamos falar sobre ERRAR. Essa palavra é quase tabu em grandes organizações (eu sei, está mudando, mas ainda é um problema sério). O conceito de fail fast (“falhar rápido” numa tradução literal) é um dos conceitos mais mal interpretados dentro da metodologia ágil. A palavra erro carrega enorme conotação negativa, e muita gente torce o nariz ao ouvir que algumas empresas têm até eventos de premiação para os maiores erros.

E a velocidade desse ciclo “hipótese > erro > hipótese revisada” é igual ao ritmo de desenvolvimento. Ou seja, o fail fast acelera o desenvolvimento de projetos.


Agora, aqui vai um conceito importante: organizações modernas são ambidestras, ou seja, tem capacidade de ter eficiência operacional e flexibilidade para inovar. O erro deve ser tratado como algo natural nas iniciativas de inovação, mas nas atividades operacionais onde o foco é eficiência o erro é prejudicial a performance.


Voltando a nossa experiência: acho que de todos os aprendizados esse foi o mais fácil de incorporar, e acredito que a autonomia exercida pelo time e o fato de ser uma equipe quase que dedicada ao projeto foram fatores chaves.


Mas como sempre algumas coisas poderiam ter sido melhores. Destaco aqui a necessidade de definir um portfolio de iniciativas de aprendizagem amplo a ser testado, além do produto.


Uma prática interessante das startups é experimentar diferentes hipóteses para fit de canal (qual canal superior de vendas) e fit de linguagem (qual a melhor maneira de comunicar com o consumidor) com tanta energia quanto o fit de produto/mercado.


Claro que existem limitações para testar canais e linguagem quando falamos de produtos físicos, é muito mais fácil experimentar com produtos digitais, mas o aprendizado é válido da mesma maneira e um pouco de criatividade ajuda demais nessa etapa.

Considerações finais

Bom, confesso que é não é fácil abrir a cozinha e falar de maneira transparente sobre erros e acertos, mas se tem algo que me inspirou nesses últimos meses de imersão no ecossistema de startups é a mentalidade de dividir aprendizados. Espero que minha experiência possa contribuir com quem está encarando esses mesmos desafios.


E já que você chegou até aqui tenho um pedido pra você: entre na discussão e comente! Algum projeto de inovação que te orgulha ou lições para dividir?

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